quinta-feira, 1 de maio de 2025

Vilãs em looping

 




Elas têm olhos maquiados, risadas calculadas, frases cortantes e um guarda-roupa impecável. Elas são perigosas, ambiciosas, sedutoras — e, quase sempre, infelizes. Nas novelas brasileiras, as vilãs se tornaram ícones da dramaturgia, mas também repetem um modelo que diz muito sobre como a sociedade enxerga mulheres que saem do roteiro esperado. E essa repetição, por mais envolvente que seja na ficção, revela um padrão que limita, simplifica e — muitas vezes — reforça preconceitos.

De Odete Roitman a Carminha, de Nazaré a Flora, o Brasil é um celeiro de vilãs memoráveis. Mas por trás da genialidade de suas interpretações, há uma fórmula que quase nunca falha: são mulheres com sede de poder, que manipulam, mentem, enlouquecem e, ao fim, caem — castigadas pela narrativa que exige redenção ou destruição. Vilãs raramente saem ilesas. E quase nunca são humanizadas.

O problema não está em haver vilãs — o conflito é o motor da narrativa. O problema está no encarceramento simbólico de determinadas características femininas nesses papéis. Ambição? Vilã. Autonomia? Vilã. Sexualidade ativa? Vilã. Mulheres que se recusam a cuidar, servir, ceder? Vilãs. Ou seja: comportamentos considerados socialmente “impróprios” para o feminino são constantemente atribuídos a personagens antagonistas. E isso educa. Isso molda o olhar coletivo.

Enquanto isso, as heroínas são passivas, sofredoras, resilientes, quase santificadas — a mulher “boa” da novela ainda é aquela que aguenta tudo calada, que perdoa traições, que vive em função do outro. O contraste entre essas duas representações constrói uma pedagogia silenciosa que premia a submissão e pune a ousadia.

Essa lógica não apenas reforça estereótipos, como empobrece a narrativa. A boa ficção é feita de personagens complexas, contraditórias, humanas. Mas quando a vilania se torna um receptáculo de tudo o que é reprimido na mulher real, a personagem deixa de ser rica e passa a ser sintoma. Quantas vilãs das novelas brasileiras têm desenvolvimento psicológico real, dilemas internos, arcos de autoconhecimento? Quase nenhuma. São sombras que surgem prontas — e, mais cedo ou mais tarde, morrem envenenadas por sua própria maldade.

Nos últimos anos, houve tentativas tímidas de subverter esse padrão, especialmente com a ascensão de narrativas feministas nas redes sociais. Mas ainda é pouco. A dramaturgia brasileira precisa urgentemente abrir espaço para outras mulheres: mulheres que erram e aprendem, que têm ambição sem serem demonizadas, que vivem o desejo sem punição moral. Mulheres que não sejam santas nem bruxas, apenas pessoas.

As novelas têm o poder de formar imaginários. Durante décadas, ensinaram o Brasil a odiar mulheres poderosas, independentes ou sexualmente livres. Está na hora de mudar o roteiro. De permitir que as mulheres da ficção sejam tão complexas quanto as da vida real. De dar fim ao ciclo onde vilania é só mais uma máscara que o machismo veste.