De Odete Roitman a Carminha, de Nazaré a Flora, o Brasil é
um celeiro de vilãs memoráveis. Mas por trás da genialidade de suas
interpretações, há uma fórmula que quase nunca falha: são mulheres com sede de
poder, que manipulam, mentem, enlouquecem e, ao fim, caem — castigadas pela
narrativa que exige redenção ou destruição. Vilãs raramente saem ilesas. E
quase nunca são humanizadas.
O problema não está em haver vilãs — o conflito é o motor da
narrativa. O problema está no encarceramento simbólico de determinadas
características femininas nesses papéis. Ambição? Vilã. Autonomia? Vilã.
Sexualidade ativa? Vilã. Mulheres que se recusam a cuidar, servir, ceder?
Vilãs. Ou seja: comportamentos considerados socialmente “impróprios” para o
feminino são constantemente atribuídos a personagens antagonistas. E isso
educa. Isso molda o olhar coletivo.
Enquanto isso, as heroínas são passivas, sofredoras,
resilientes, quase santificadas — a mulher “boa” da novela ainda é aquela que
aguenta tudo calada, que perdoa traições, que vive em função do outro. O
contraste entre essas duas representações constrói uma pedagogia silenciosa que
premia a submissão e pune a ousadia.
Essa lógica não apenas reforça estereótipos, como empobrece
a narrativa. A boa ficção é feita de personagens complexas, contraditórias,
humanas. Mas quando a vilania se torna um receptáculo de tudo o que é reprimido
na mulher real, a personagem deixa de ser rica e passa a ser sintoma. Quantas
vilãs das novelas brasileiras têm desenvolvimento psicológico real, dilemas
internos, arcos de autoconhecimento? Quase nenhuma. São sombras que surgem prontas
— e, mais cedo ou mais tarde, morrem envenenadas por sua própria maldade.
Nos últimos anos, houve tentativas tímidas de subverter esse
padrão, especialmente com a ascensão de narrativas feministas nas redes
sociais. Mas ainda é pouco. A dramaturgia brasileira precisa urgentemente abrir
espaço para outras mulheres: mulheres que erram e aprendem, que têm ambição
sem serem demonizadas, que vivem o desejo sem punição moral. Mulheres que não
sejam santas nem bruxas, apenas pessoas.
As novelas têm o poder de formar imaginários. Durante décadas, ensinaram o Brasil a odiar mulheres poderosas, independentes ou sexualmente livres. Está na hora de mudar o roteiro. De permitir que as mulheres da ficção sejam tão complexas quanto as da vida real. De dar fim ao ciclo onde vilania é só mais uma máscara que o machismo veste.
