sábado, 10 de maio de 2025

A construção da emoção

 

O Dia das Mães é, para o mercado publicitário, uma vitrine de sentimentos. Mas transformar emoção em estratégia exige muito mais do que frases bonitas ou imagens tocantes: requer domínio técnico da narrativa. O desafio é construir histórias que não apenas falem da maternidade, mas que ressoem com as múltiplas realidades e afetos que ela representa — e isso se faz com método, sensibilidade e repertório.

Narrativas eficazes são construídas com base em estruturas que organizam tempo, personagem, conflito e resolução. Como destaca Roland Barthes, toda narrativa parte de uma lógica de significação: um discurso que carrega sentido porque responde a um desejo ou expectativa social. No caso das campanhas do Dia das Mães, esse desejo costuma se materializar em vínculos, reconhecimento, gratidão ou afeto. Mas, para que funcione, a emoção precisa ser verdadeira e culturalmente situada.

Uma boa campanha começa com a escuta do real: que tipo de mãe se deseja representar? Existe um perfil dominante? Há espaço para pluralidade? Trabalhos como o de Christian Salmon, em Storytelling: a máquina de fabricar histórias e formatar mentes, mostram como a narrativa publicitária pode tanto ampliar imaginários quanto reproduzir estereótipos. Em datas como o Dia das Mães, esse risco é ainda maior — afinal, nem toda mãe é sorridente, branca, heteronormativa e de classe média.

É nesse ponto que entra a curadoria do conflito emocional. Não há história sem tensão — e, no caso da maternidade, os conflitos são ricos, variados e muitas vezes silenciados. Quando marcas como O Boticário apostam em campanhas como #ATormentaPassa, o que está sendo feito é a inserção do público em um espaço de empatia. Mostrar a dor, a dúvida, o cansaço, o estranhamento — e não apenas o abraço e o presente — torna a narrativa mais densa e verdadeira.

Outra técnica importante é o uso do arco do herói emocional, adaptado à vida comum. A mãe, nesse caso, não é um arquétipo idealizado, mas uma figura com jornada, desafios e conquistas. Mostrar a mãe que trabalha, que chora escondido, que erra, que aprende com o filho, que encontra força onde não sabia ter — tudo isso gera identificação e abertura emocional. O storytelling de marca precisa encontrar essas camadas.

Há também o papel essencial da linguagem visual e sonora na construção da emoção. Planos fechados, luz suave, silêncios bem posicionados, trilha emocional, texto que evoca memórias... Tudo isso contribui para o impacto sensível da campanha. A estética deve dialogar com a estrutura narrativa, não ser apenas uma moldura bonita. Como ensina a semiótica publicitária, forma e conteúdo precisam significar juntos.

Por fim, há o aspecto ético: emocionar não é manipular. O consumidor contemporâneo reconhece a diferença entre a emoção autêntica e a emoção forçada. Uma campanha só emociona de verdade quando parte de um lugar honesto — quando a marca escolhe não falar “sobre” o consumidor, mas “com” ele. Ao abrir espaço para histórias reais, diversidade e escuta afetiva, a publicidade deixa de ser vitrine e passa a ser espelho.

No Dia das Mães — uma data repleta de simbolismos e disputas afetivas —, criar campanhas que emocionem não é um capricho criativo. É uma escolha estratégica, técnica e ética. Porque, quando a narrativa é bem construída, ela toca. E quando toca, permanece.