A inteligência artificial já está transformando profundamente a publicidade — desde a criação de roteiros até a análise de dados, passando por imagens, vídeos, narração e interação com o consumidor. Mas, junto com as oportunidades, surgem dilemas éticos urgentes, que desafiam o mercado a pensar além da performance. Afinal, o que acontece quando a tecnologia avança mais rápido que o bom senso?
Deepfakes, manipulação de dados, falta de transparência na criação de conteúdos automatizados e dúvidas sobre autoria criativa não são mais temas de ficção científica. Estão no centro das decisões de campanhas que vão ao ar todos os dias. O uso de IA na publicidade levanta questões que tocam diretamente a confiança do público, a credibilidade das marcas e a responsabilidade social das agências.
Os deepfakes, por exemplo, permitem criar vídeos hiper-realistas com rostos e vozes de pessoas que não participaram da produção. Se, por um lado, isso abre espaço para campanhas inovadoras, por outro, pode resultar em enganos, distorção de realidade e danos à imagem de terceiros. Quando essa tecnologia é usada sem aviso claro ao público, o impacto vai além da estética: fere a ética.
Outro ponto crítico é a autoria dos conteúdos gerados por IA. Quem assina um texto criado por ChatGPT? Quem detém os direitos de uma imagem gerada por DALL·E? Quem responde por uma campanha feita sem envolvimento direto de profissionais humanos? O mercado publicitário ainda está aprendendo a lidar com essa zona cinzenta entre autoria técnica e autoria criativa.
Há também o tema da privacidade e manipulação de dados. Algoritmos que personalizam anúncios em tempo real precisam de acesso a grandes volumes de dados pessoais. Mas até que ponto os consumidores sabem (e consentem) com esse uso? Quando a publicidade ultrapassa a linha do persuasivo e entra no território do invasivo, o marketing deixa de informar para manipular.
O CONAR, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, já vem debatendo esses pontos e reforçando a importância de campanhas que respeitem transparência, veracidade, inclusão e consentimento. Mas é preciso mais. É hora de criar códigos claros de conduta para o uso de IA em publicidade, envolvendo agências, anunciantes, desenvolvedores de tecnologia e sociedade civil.
Não se trata de frear a inovação, mas de guiar seu uso com responsabilidade. A publicidade sempre foi uma forma de linguagem social — e, como tal, precisa ser regida por valores éticos. Usar a IA sem critérios claros é como entregar um megafone para uma criança: o volume é impressionante, mas o conteúdo pode ser perigoso.
Em época de algoritmos onipresentes, é essencial lembrar que ética não se automatiza. É uma decisão consciente, coletiva e contínua. A IA pode ajudar a criar, mas só os humanos podem decidir como, quando e por que usar cada ferramenta. Esse discernimento é o que vai separar marcas inovadoras de marcas irresponsáveis — e definir o futuro da publicidade.
