A bruxa é uma das figuras mais fascinantes e contraditórias da cultura pop. Por séculos, ela foi retratada como a vilã feiosa dos contos de fadas, aquela que vivia isolada na floresta, tramando feitiços para envenenar princesas ou devorar crianças inocentes. Mas, com o tempo, algo curioso aconteceu: a bruxa, antes símbolo do mal, virou ícone de poder, independência e, em muitos casos, até de estilo. Mas será que essa transformação foi realmente positiva? Ou será que a cultura pop apenas trocou um estereótipo por outro?
Nos clássicos da literatura e do cinema, como Branca de Neve e João e Maria, a bruxa era a personificação do medo do desconhecido. Ela representava a mulher que fugia do padrão, que vivia à margem da sociedade e, por isso, precisava ser derrotada. Essas narrativas foram alimentadas por séculos de perseguição histórica – da Inquisição europeia aos julgamentos de Salem –, onde qualquer mulher que ousasse desafiar o status quo era rapidamente rotulada de bruxa. E, como sabemos, esse rótulo custava caro: prisões, torturas e fogueiras.
Mas a partir dos anos 90, a bruxa começou a ganhar uma nova roupagem. Séries como Sabrina, Aprendiz de Feiticeira e Charmed trouxeram bruxas jovens, modernas e cheias de personalidade. Elas eram poderosas, sim, mas também lidavam com dilemas comuns, como paixões, amizades e problemas familiares. De vilãs, passaram a heroínas. E quem não se lembra do impacto de Harry Potter, que transformou a bruxaria em algo desejável, uma porta para um mundo mágico e cheio de possibilidades?
Por mais que essas representações tenham quebrado o estereótipo da bruxa malvada, elas ainda simplificam a complexidade da bruxaria real. Na vida fora das telas, a bruxaria não é só sobre varinhas mágicas, caldeirões borbulhantes ou feitiços lançados sob a luz da lua cheia. Ela é uma prática espiritual, profundamente conectada com a natureza, os ciclos da vida e o autoconhecimento. Para muitos, é uma forma de viver em harmonia com o mundo, respeitando os elementos, as energias e o próprio corpo. É sobre ritual, sim, mas também sobre introspecção, cura e, principalmente, liberdade.
A cultura pop, com seu apetite por efeitos especiais e narrativas rápidas, muitas vezes ignora essa profundidade. Ao transformar a bruxaria em algo puramente estético – como vemos na recente onda de “bruxaria fashion” nas redes sociais, cheia de cristais coloridos, cartas de tarô e filtros místicos – corre-se o risco de esvaziar a prática de seu verdadeiro significado. Não que seja errado usar símbolos da bruxaria como forma de expressão pessoal, mas é importante lembrar que, para muita gente, isso vai além da estética: é uma filosofia de vida.
Por outro lado, não dá para negar o lado positivo dessa popularização. A bruxa da cultura pop, hoje, é símbolo de resistência, de força feminina e de questionamento das normas sociais. Filmes como Convenção das Bruxas e As Bruxas de Eastwick mostram mulheres desafiando o patriarcado, enquanto séries como American Horror Story: Coven mergulham na complexidade das relações de poder dentro da própria comunidade de bruxas. Essas narrativas ajudaram a abrir espaço para discussões sobre feminismo, diversidade e espiritualidade alternativa.
A grande questão é: até que ponto a cultura pop está ajudando a desmistificar a bruxaria e até que ponto está apenas criando novos estereótipos? Representar bruxas como personagens poderosas e independentes é um avanço, mas ainda falta mostrar a diversidade real das pessoas que praticam a bruxaria no dia a dia – gente comum, de diferentes origens, gêneros e crenças, que encontra na espiritualidade uma forma de se reconectar consigo mesmo e com o mundo.
No fim das contas, a bruxaria na cultura pop é um reflexo da nossa própria relação com o desconhecido. Ela mostra como temos medo do que não entendemos, mas também como somos fascinados pela ideia de poder, transformação e liberdade. E, talvez, a verdadeira magia da bruxaria esteja justamente aí: na capacidade de nos fazer questionar o que é real, o que é imaginário e o que significa, de fato, ser livre.