sábado, 15 de fevereiro de 2025

O olhar que enxergou o Brasil além das telas


O Brasil perdeu um de seus maiores contadores de histórias. Cacá Diegues, mestre do Cinema Novo e arquiteto de imagens que moldaram o imaginário nacional, nos deixou. Sua partida não é apenas o adeus a um cineasta. É o encerramento de um capítulo vibrante do cinema que ousou mostrar o Brasil de verdade — nu, múltiplo, contraditório e, acima de tudo, humano.

Em tempos de narrativas plastificadas e realidades filtradas, Diegues foi sempre o artista da verdade. De Ganga Zumba (1964) a Bye Bye Brasil (1980), ele nos levou ao sertão, às favelas, às estradas poeirentas, revelando um país que muitos queriam esconder. Seu olhar não romantizava a pobreza, tampouco a explorava. Ele filmava com respeito, empatia e uma rara capacidade de transformar vidas invisíveis em protagonistas.

Quem assistiu Xica da Silva (1976) jamais esqueceu Zezé Motta em sua potência e liberdade. Não era apenas um filme sobre o Brasil colonial; era sobre as mulheres negras que resistem e reinventam o futuro, ontem e hoje. Diegues entendia que o cinema não é só entretenimento — é memória, é identidade, é denúncia e, sobretudo, é afeto.

Mas Cacá não ficou preso aos ícones do passado. Ele olhava para frente. Em 5x Favela – Agora por Nós Mesmos (2010), abriu espaço para que jovens cineastas das favelas contassem suas próprias histórias. Foi ali que ele reafirmou sua crença: o futuro do audiovisual brasileiro pertence àqueles que conhecem as ruas, as vielas e os sonhos que nascem onde muitos só enxergam dificuldades.

Como publicitária, sei que a comunicação eficaz nasce do encontro entre verdade e emoção. E foi isso que Cacá Diegues fez como ninguém. Ele comunicou o Brasil para os brasileiros. Não aquele Brasil das vitrines ou dos comerciais polidos, mas o Brasil pulsante, miscigenado, que ri, chora e resiste.

Hoje, ficamos órfãos de sua câmera, mas herdamos seu legado. Um legado que nos ensina que contar histórias é um ato de coragem. Que dar voz a quem nunca foi ouvido é um dever. Que o cinema — e a comunicação como um todo — só se justificam quando se colocam a serviço da vida real.

Cacá partiu, mas sua lente permanece. Ela está nas mãos de cada jovem cineasta da periferia, em cada estudante que se vê pela primeira vez na tela, em cada publicitário que ousa fugir do clichê para se conectar de verdade com o povo.

Porque, no fundo, o que Cacá sempre nos lembrou é que a maior história que temos a contar é a nossa. E essa, ninguém pode calar.