terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Como manter a voz humana no texto gerado por IA

 


O texto publicitário e o roteiro audiovisual estão atravessando um dos momentos mais disruptivos desde a invenção da imprensa. A inteligência artificial generativa, presente em plataformas como ChatGPT, Gemini e Claude, já é capaz de redigir peças completas, adaptar linguagem a diferentes públicos e otimizar resultados em segundos. De acordo com o Relatório “State of AI in Marketing 2025” da HubSpot Research, 74% das agências de comunicação utilizam ferramentas de IA para criar conteúdo textual ou roteirizar vídeos. A velocidade e a precisão dessas tecnologias são inegáveis, mas o risco é claro: quanto mais automatizada a escrita, maior o perigo de perder aquilo que sempre diferenciou o humano da máquina, o tom, o ritmo e a emoção.

O redator e o roteirista foram, historicamente, os intérpretes da sensibilidade coletiva. São eles que captam o que uma geração sente e transformam isso em linguagem. Quando uma IA escreve, ela não “sente”: ela processa padrões linguísticos. Seu repertório vem de bilhões de textos, mas não de vivências. O resultado é coerente, mas previsível; informativo, mas raramente memorável. A pesquisa Creativity in the Age of AI, realizada pela Adobe (2024), mostra que 61% dos consumidores percebem quando um texto publicitário é “frio” ou “genérico”. Isso revela algo fundamental: mesmo em um cenário de automação, o público ainda reconhece, e valoriza, a autenticidade da voz humana.

Isso não significa que a IA seja inimiga da escrita criativa. Ela é, na verdade, um espelho ampliado: reflete nossa linguagem e devolve suas possibilidades em velocidade de código. O problema é que, sem direção humana, esse espelho deforma. Um roteirista que delega completamente a criação à máquina perde o domínio do tom narrativo; um redator que apenas edita textos automatizados transforma-se em revisor de algoritmos. O verdadeiro diferencial estará em quem souber escrever com a IA, e não por meio dela, quem a utiliza como parceira de brainstorming, mas mantém o pulso narrativo no controle.

Nas agências, essa transição já começa a se desenhar. O cargo de “AI Copy Supervisor” surge em grandes grupos publicitários, unindo competências de escrita, análise e programação. O profissional precisa dominar linguagem, contexto cultural e ética comunicacional. Ele não é substituído pela máquina; torna-se o mediador entre a criação humana e o cálculo algorítmico. Como aponta o estudo da Forbes Communications Council (2025), empresas que equilibram automação e direção humana produzem conteúdos com até 35% mais engajamento e retenção de público.

A questão ética também é inescapável. Se a IA aprende a escrever observando o que já foi escrito, há um risco constante de plágio involuntário, apropriação de estilo e replicação de vieses. A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO, 2024) reforça que textos gerados exclusivamente por IA não podem ser protegidos por direito autoral, justamente porque não possuem intenção criadora. Isso recoloca o roteirista e o redator no centro da responsabilidade autoral: são eles que decidem o que deve ser dito e o que deve ser silenciado, quais discursos são éticos e quais perpetuam desigualdades.

A educação superior tem um papel crucial nesse contexto. As faculdades presenciais de Publicidade e Propaganda precisam formar profissionais que unam repertório cultural e competência tecnológica. Aprender a usar IA sem compreender a história, a sociologia e a estética da comunicação é criar bons digitadores de prompts, mas não autores. O ensino presencial, com suas trocas, debates e vivências criativas, continua sendo o espaço mais fértil para o desenvolvimento da voz narrativa, algo que não se programa, apenas se aprende na convivência e na escuta.

No fim das contas, a automação não extinguirá o redator nem o roteirista. Ela apenas exigirá que sejam mais conscientes de sua própria voz. O futuro da escrita publicitária dependerá de profissionais que saibam usar a IA como ferramenta de amplificação, e não de substituição. O texto continuará sendo o território da emoção, e a emoção, até onde sabemos, ainda é uma exclusividade humana.